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A personalidade provisória e a interpretação da experiência pela criança, por James Hollis.
Trecho do capitulo 1, A personalidade provisória, do livro "A passagem do meio" de James Hollis
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(...) Para muitas pessoas, devido ao impacto da pobreza, da forma, dos diversos tipos de abuso, a experiência inicial do mundo é devastadora para sua concepção do eu. Quando crianças, elas sintetizam suas capacidades afetivas, cognitivas e sencientes para não serem mais magoadas. Elas se transformam nos sociopatas e nas pessoas com distúrbios de caráter que enchem nossas prisões e rondam nossas ruas.
Lamentavelmente, para estes assim atingidos, o potencial de crescimento e de transformação é sombrio; tornar-se receptivo ao mundo da dor exigido pelo crescimento é por demais assustador. Quase todos nós sobrevivemos como pessoas meramente neuróticas, ou seja, divididos entre a natureza intrínseca da criança e o mundo para o qual fomos socializados. Podemos até concluir que a personalidade adulta não examinada é um agregado de atitudes, comportamentos e reflexos psíquicos ocasionados pelos traumas da infância, cujo objetivo fundamental é controlar o nível de sofrimento experimentado pela memória orgânica da infância que conduzimos dentro de nós. Podemos chamar essa memória orgânica de "criança interior", e nossas várias neuroses representam estratégias inconscientemente desenvolvidas para defender essa criança.(...)
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A natureza do sofrimento infantil pode ser generalizada de forma ampla em duas categorias básicas: 1) A experiência da negligência ou do abandono, e 2) A experiência de ser esmagado pela vida.
Aquilo que podemos chamar de personalidade provisória é uma séria de estratégias escolhidas pela frágil criança para lidar com a angústia existencial. Esses comportamentos e atitudes são tipicamente agregados antes dos cinco anos de idade e são elaborados dento de um surpreendente leque de variações estratégicas com um motivo comum - a autoproteção.
Embora as forças externas, como a guerra, a pobreza ou uma deficiência pessoal, desempenhem um importante papel na maneira como a criança percebe o eu e o mundo, a influência fundamental sobre a nossa vida é oriunda do caráter do relacionamento entre os pais e a criança.(...)
(...) As conclusões que a criança tiram sobre o mundo são oriundas portanto de um estreito domínio, sendo inevitavelmente parciais e prejudiciais. A criança não é capaz de dizer: "Meu pai (ou minha mãe) tem um problema, e este exerce um efeito sobre mim". A criança só consegue chegar a conclusão de que a vida é preocupante e o mundo um lugar inseguro.
Ao tentar decifrar o ambiente pai-filho, a criança interpreta a experiência de três maneiras básicas.
1) A criança interpreta fenomenologicamente o vínculo palpável e emocional, ou sua falta, como declaração sobre a vida em geral. Ela é previsível e protetora, ou incerta, dolorosa e precária?
2) A criança interioriza comportamentos específicos dos pais como declaração a respeito do eu. Como a criança raramente consegue objetivar a experiência ou perceber a realidade interior dos pais, a depressão deles, a raiva ou a ansiedade serão interpretadas como declarações de fato a respeito da criança. "eu sou como sou vista, ou como sou tratada", conclui a criança.
3) A criança observa os comportamentos das lutas do adulto com a vida e interioriza não apenas esses comportamentos, mas também as atitudes que eles sugerem a respeito do eu e do mundo. Por conseguinte, a criança tira grandes conclusões a respeito de como lidar com o mundo.
As conclusões sobre o eu e o mundo baseiam-se claramente na experiência extremamente limitada de um pai e uma mãe específicos que reagem a questões particulares. Essa experiência é excessivamente personalizada pelo pensamento mágico, que diz que "toda essa experiência é organizada para mim e diz respeito a mim"; as conclusões resultantes também são exageradamente generalizadas, uma vez que só podemos avaliar o desconhecido através daquilo que conhecemos até aqui. Com início tão tendencioso, estreito e invariavelmente prejudicial, agregamos percepções, comportamentos e reações, marchando em direção à vida com uma visão parcial.
O caráter individual dessa defeituosa noção do eu, bem como as estratégias que são desde cedo elaboradas e moldadas numa personalidade variam segundo a natureza da experiência infantil. A partir de cada categoria de sofrimento - de abandono ou de opressão - um complexo de comportamentos se expande como reação inconsciente e reflexa.
Quando a criança é oprimida, ela vivencia a imensidão do Outro jorrando através de frágeis fronteiras. Por não possuir o poder de escolher outras circunstâncias de vida, por não possuir nem a objetividade de identificar a natureza do problema como Outro, e por não possuir os elementos necessários a uma experiência comparativa, a criança reage de forma defensiva, tornando-se excessivamente sensível ao ambiente e "escolhendo" a passividade, a co-dependência ou a compulsividade para proteger o frágil território psíquico. A criança aprende variadas formas de acomodação, pois a vida é vista como inerentemente opressiva para um eu relativamente impotente. (...)
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Amanda Jasnowski |
Diante do abandono - ou seja, proteção e carinho insuficientes - a criança poderá "escolher" padrões de dependência e/ou passar toda a vida na busca incessante de um Outro mais positivo. Desse modo, uma mulher que na infância sofrera de negligencia passou a procurar mais tarde um parceiro após o outro, mas sempre terminava seus relacionamentos desiludida e frustrada. Em parte sua necessidade emocional afastava os homens, e em parte ela inconscientemente escolhia homens emocionalmente distantes. Seu pai nunca estivera emocionalmente disponível para ela e sua vida formou-se reflexivamente ao redor da percepção dupla e autodestrutiva de si mesma como "aquela a quem nada darão e que portanto merece isto", e a vã esperança de que o homem seguinte pudesse compensar a ferida pai-filha interior.
Essas feridas, bem como as várias reações inconscientes adotadas pela criança interior, tornam-se fortes determinantes da personalidade adulta, A criança não consegue incorporar uma personalidade que se expressa livremente; em vez disso, é a experiência da infância que molda eu papel no mundo. A partir do sofrimento da infância, portanto, a personalidade adulta é mais uma reação reflexa às primeiras experiências e traumas da vida que uma séria de escolhas.
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