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Os oito segredos que os homens carregam - Por James Hollis

Os oito segredos que os homens carregam


Portrait of Paul Grotz
Walker Evans (United States, 1903-1975)


No livro “Sob a sombra de Saturno, a ferida e a cura dos homens”, o analista americano James Hollis se debruça sobre a influência do patriarcado e sua extensão sobre as definições do que significa ser homem e seus respectivos papéis na contemporaneidade.

Guiando-nos através de uma perspectiva sensível e usando a mitologia romana como ponto de partida, Hollis explica os oito segredos que os homens carregam e expõe os mecanismos de formação do “complexo materno”. Além de destacar a importância do papel a ser exercido pelo pai e a falência da nossa cultura em estabelecer rituais saudáveis para a iniciação dos meninos.

Abaixo um pequeno resumo, nas palavras do próprio Hollis, dos oito segredos que os homens carregam.

1 – A vida dos homens é tão governada pelas expectativas restritivas com relação ao papel que devem desempenhar quanto à vida das mulheres.

Herdamos um mundo no qual o principal valor do homem é defender sua terra natal e sustentar sua família. Estes podem ainda ser papéis honrados mas são, na melhor das hipóteses papéis e não o homem inteiro. Ele não tem permissão para procurar e acalentar o chamado da sua alma. Que seja bem sucedido pelas normas do mundo, mas ele sabe, bem no fundo, que perdeu sua alma ao longo do caminho. Nenhum homem equilibrado acredita de fato hoje em dia que ter uma esposa atraente, um carro possante na garagem e passar férias ao sol seja a soma e o mérito da sua vida. Mas quase todos ainda seguem esses valores superficiais porque não conhecem outros. Então escravos do seu trabalho, servos de valores sedutores porém evanescentes, e geralmente estão à deriva no mundo que nossos pais serviram e que os esmagou.

2 - A vida do homem é governada pelo medo.

A vida de todas as pessoas é, até certo ponto, governada pelo medo, mas os homens estão profundamente empenhados em mantê-lo a distância. As mulheres têm enorme vantagem cultural da sinceridade emocional. Os homens têm medo do poder do complexo materno e portanto procuram agradar as mulheres ou dominá-las

Os homens têm medo dos outros homens porque são lançados em papéis competitivos; o outro homem é percebido como inimigo e não como irmão os homens têm medo porque sabem que o mundo é grande, perigoso e em última análise impenetrável. Sentem-se internamente como crianças e o navio no qual eles se lançam no mar escuro e revolto é realmente muito frágil. É claro que as mulheres também sabem disso, mas elas são capazes de admiti-lo para si mesmas e para as outras mulheres; a vida delas, portanto, não é tão solitária, tão isolada tão carregada de culpa

Os homens têm a ideia maluca de que não devem sentir medo, que sua tarefa é conquistar a natureza e a si próprios. Sem dúvida, os homens realizaram coisas incríveis, deram grandes saltos na escuridão e voltaram com mapas maravilhosos da terra incógnita, porém, ao mesmo tempo, cada homem sente-se humilhado pelo medo de não ser homem de verdade. Sua vergonha se manifesta como compensação excessiva, quando se exibe ou é arrogante com as outras pessoas, ou como fuga silenciosa da verdadeira tarefa a qual a vida o chamou.

3 – O poder do feminino é imenso na organização psíquica dos homens.

A maior influência psicológica na vida do homem, em circunstâncias normais, é a sua mãe. Por causa da enormidade da sua presença psíquica, da qual ele está sempre mais ou menos inconsciente, os homens desenvolvem de quatro formas principais um relacionamento distorcido com o feminino.

Primeiro, concedem excessivo poder psicológico às mulheres, ou seja, projetam a imensidão do seu complexo materno sobre as mulheres. Grosseiramente falando: "você tem seios, você deve ser mulher. Minha mãe era mulher, você deve ser como ela". Assim, os homens, temerosos do poder da mulher procurarão agradar controlar e evitar o confronto incapaz de reconhecer e aceitar as questões geradas pelo seu complexo materno, cai num relacionamento projetivo baseado no poder. Esta é a verdade mais fundamental por trás da chamada guerra entre os sexos: o medo substitui o Eros pelo poder.

Segundo, o homem tem pavor do seu lado feminino. Associam sua vida de sentimentos, seus instintos, sua capacidade de sentir ternura e carinho, a natureza culturalmente definida da mulher e por conseguinte se afastam. Isso também os afasta da própria Ânima e gera profunda auto alienação. Com efeito, seria enganador fazer-se referência ao "lado feminino" de um homem, pois a anima é na verdade uma parte necessária do que significa ser homem. Os homens raramente correm o risco de dispor essa parte de si mesmo, mas é parte tanto da natureza deles quanto da das mulheres relacionar-se com o mundo e com sua própria vida interior.

Terceiro, como os homens se sentem tão inseguros na sua identidade sexual nos papéis sexuais defendidos pela sociedade, temem e negam as partes de si que não se encaixam nos estreitos limites coletivos. Quando vem as outras pessoas vivendo esses aspectos, eles os rejeitam violentamente. A homofobia é ótimo exemplo. Certamente vamos sexuais têm o direito de viver segundo sua orientação sexual. Tudo indica, cada vez mais, que a homossexualidade não é escolha e sim orientação com base biológica que tem existido mais ou menos na mesma proporção através da história. Esta alteração genética é projetada pelo mesmo Deus adorado pelos fundamentalistas que substituem o amor pelo medo e a opressão. Os homossexuais têm o mesmo coração, na mesma alma, a mesma coragem de lutar que seus irmãos heterossexuais é chegada a hora de sair do armário machista encarar o verdadeiro problema — que os homens têm medo daqueles que personificam a vida que não viveram. O inimigo não é o outro homem, mas sim nosso medo de não sermos aquilo que o patriarcado exige.


Quarto
, a maneira pela qual os homens vivenciam o poder do feminino evoluiu para uma excessiva valorização e medo da sexualidade. Nietzsche observou certa vez que o objetivo fundamental do casamento era conversação. O propósito do compromisso sério, do qual casamento é apenas um exemplo, não é tomarmos conta um do outro, reforçando os complexos entre pai e filhos, e sim crescemos através um do outro e um com o outro. O objetivo do casamento é ser dialético —encontros nobres que amenizam e engrandecem. Um dos elementos da ligação entre os sexos é, sem dúvida, o sexo. Mas os homens, que frequentemente consideram seu discurso deficiente, atribuem ênfase exagerada ao ato sexual.

Não importa o que seja o sexo, e ele é no mínimo um profundo mistério, ele é facilmente mal-empregado. Objetivo psicológico fundamental do sexo para os homens que passam a vida no mundo frio e cruel, e cujo relacionamento com a própria anima é frígido, é religar-se a um lugar quente. O sexo é uma forma de reafirmação emocional, um narcótico que alivia a dor da alma machucada. Se a vida os magoa, o sexo, a semelhança das drogas ou do trabalho, poderá tornar a ferida indolor o ato sexual oferece transcendência momentânea. O orgasmo pode ser uma experiência estática. Assim, o ato sexual pode mascarar a busca desesperada de aceitação, sobre a qual se esconde o complexo materno este é, em última análise um jogo destrutivo o sexo como amor, o sexo como diálogo, o sexo como dialética pressupõe um parceiro igual o sexo como redenção distorce o relacionamento e permite a invasão da sombra saturnina do poder. Quando Saturno está presente, nada é realmente divertido, luminoso ou transformador.

4 – Os homens conluiam-se em uma conspiração de silêncio cujo objetivo é reprimir sua verdade emocional.

Os homens pagam preço elevado quando são vistos como frágeis ou vulneráveis. São humilhados pelos outros homens, algumas vezes pelas mulheres, porém, acima de tudo, por si próprios. Aqueles que assediam diariamente o castelo perigoso precisam de toda autoconfiança que conseguem reunir para sustentar seu vacilante controle sobre uma imagem pessoal poderosa.

(…) Os homens precisam se arriscar individualmente a dizer a verdade, sua verdade pessoal, pois ela será a verdade para muitos outros.

Outros homens poderão, reflexivamente, vir a humilhá-los, ou, por causa do próprio medo, afastar-se deles. Porém, com o tempo, todos agradeceram os que expressam em voz alta sua verdade.

5 – O ferimento é necessário porque os homens precisam abandonar a mãe e transcender o complexo materno.

Após delinear o poder do complexo materno, a parte do homem que anseia acima de tudo por proteção e segurança, precisamos também reconhecer o ferimento necessário do homem. Nossos antepassados, com seus ritos de separação da dependência da infância para a independência da idade adulta, não estavam sendo gratuitamente cruéis ao ferir seus jovens. Seus ferimentos eram simbólicos, e portanto carregado de significado arquetípico, as feridas eram uma forma de sinédoque, uma parte ilustrando o todo, uma introdução ao ferimento do mundo, cuja experiência se tornaria a partir de então, a vivência diária da pessoa.

Nenhuma outra pessoa, nem seus pais nem sua tribo, poderia poupar esta jornada porque senão também estariam roubando sua capacidade de lutar e alcançar seu pleno potencial.

Portanto os homens precisam ser feridos para ingressar no mundo, para ter sua consciência estimulada, para empreender a herói com a tarefa de deixar sua mãe e tornar-se senhores do seu destino. (...)

(…) O preço que pagamos por uma consciência mais poderosa, e pelos mundos que valem a pena ser conquistados, é o ferimento do protagonista para que possa se tornar o herói na sua própria vida.

6 – A vida dos homens é violenta porque sua alma foi violada.

Os homens não são apenas convocados para executar o perigoso, sujo e difícil trabalho de se pendurar na ponte e raspar as manchas de tinta, de empurrar as barreiras físicas e psicológicas da natureza, de resistir a pressões esmagadoras, de permanecer tranquilos e imperturbáveis; também se espera deles que sofram esses ferimentos sozinhos e em silêncio. Acima de tudo lhes é pedido, como frequentemente tem sido pedido as mulheres, que sacrifiquem sua alma para servir a uma norma econômica, política ou cultural. São humilhados se resistem à deformação da sua natureza, afastados se protestam, e algumas vezes até martirizados se sua visão desafia com excessivo vigor o status quo.

Os homens precisam reconhecer sua raiva, raiva esta que se acumulou atingindo o nível da ira. Para onde vai essa ira? Em alguns, manifesta-se como depressão, um peso generalizado que eles podem carregar durante toda a vida. Em outros, somatiza-se em diversos locais do corpo ou é projetada no jogo paranoico entre nós e eles, vencedores e perdedores. Para muitos, a ira se volta contra as mulheres, as crianças, ou os outros homens, o profundo conhecimento do sofrimento da sua alma é projetado sobre qualquer objeto conveniente.

A brutalidade que já houve no mundo é suficiente para durar eternamente. Precisamos agora canalizar essa raiva para alimentar as mudanças essenciais para a cura. Quando somos crianças, nada podemos fazer a não ser sofrer; só seremos vítimas enquanto permanecermos inconscientes. A raiva que cresceu através dos anos é agora energia suficiente para mudança, para rebelião, para a luta necessária à salvação da alma.

7 - Todo homem carrega consigo profundo anseio pelo seu pai e pelos seus pais tribais.

Para deixar o conforto do lar, o mundo materno, a pessoa precisa ter um lugar para ir. É verdade que os ritos de passagem das culturas tradicionais visavam a iniciar o jovem em uma sociedade mais simples, em uma cultura mais homogênea do que a nossa. Além disso, seu interesse não repousava na individuação da pessoa, e, sim, na integração desse indivíduo, ainda não formado, na definição coletiva da masculinidade tribal. Ainda assim, retiremos essas imagens de identidade psiquicamente carregadas, retiremos a sabedoria dos velhos, retiremos a comunidade dos homens, e teremos um mundo moderno

Como a natureza detesta o vácuo, os homens de hoje, infantis e não iniciados, preenchem o grande intervalo com drogas, trabalho e parceiros. Assim como aprendemos sobre o relacionamento relacionando-nos com a diversidade dos outros, confirmamos nossa identidade modelando igual por igual. Hoje em dia, os homens não podem reclamar sua identidade através da cultura porque são obrigados a encontrar outros homens não iniciados para serem seus modelos ou então sucumbir aos valores vazios de uma sociedade materialista. Repito que, antes que se inicia a cura, os homens precisam reconhecer a realidade do que existe dentro deles. Entre essas confusas emoções, a dor profunda pela perda do pai pessoal como companheiro, modelo e amparo, e a profunda necessidade dos pais como fonte de sabedoria, consolo e inspiração.

Era a função dos velhos da tribo transmitir a sabedoria dos antepassados, instruir o jovem a respeito dos deuses a que ele deveria servir e estava ao lado dele. Os homens de hoje não possuem raízes em nenhuma história tribal ou realidade transcendente. Os homens que não tem ligação firme com seus deuses correm grave perigo e ameaçam também os outros. Esses homens estão perdidos. Anseiam por um modelo e pelos grandes ensinamentos. Sofrem seu exílio em silêncio ou agem em função da sua dor disfarçada de ira. Existem grande número desses homens.

8 – Para que os homens fiquem curados, precisam ativar dentro de si o que não receberam do exterior.

Como os homens não podem se voltar para os velhos da tribo, e aprenderam que existem poucos homens sábios, e talvez nenhum, e muito menos homens iniciados, eles sofrem profunda enfermidade na alma. Como os locais psíquicos, os pontos mitológicos de referência, estão ausentes, os homens precisam aprender a curar-se a si próprios. De vez em quando, essa cura pode ser compartilhada com seus companheiros, porém, de forma geral, precisam realizá-la sozinhos.

No romance Demian, Herman Hesse, que sem dúvida abordou a cura da alma moderna, sofrendo três vezes o exílio e a perseguição e recebendo uma vez o prêmio Nobel como recompensa, observou: “Em um mundo de peregrinos, quando os caminhos se cruzam, o mundo parece um lar durante algum tempo”. Mas a experiência da comunidade, da ligação primordial dura somente “algum tempo”; depois a pessoa se vê novamente sozinha na jornada.

 Conclusão:

Sim, atualmente, a maioria dos homens ainda estão oprimidos; agindo a partir da própria ferida, oprimem outros homens e magoam mulheres e crianças. Sem dúvida, a justiça ainda está muito longe. Mas cada qual tem a obrigação de encontrá-la, primeiro no próprio coração e depois na longa estrada que está à nossa frente.

No ultimo capitulo, Hollis propõem sete passos para a cura, e considero essa a parte mais importante do livro. Para adquirir o seu, clique aqui.   

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