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Destaques

Sonhos: mensageiros do Inconsciente, portais para a totalidade. por Leonardo Climaco

A psicologia analítica junguiana oferece uma abordagem ampla e profunda sobre os sonhos, considerando-os como uma porta de entrada para o entendimento do inconsciente e um instrumento essencial para a jornada da individuação. Jung reconheceu os sonhos como expressões significativas da totalidade da psique, não limitados aos aspectos reprimidos do inconsciente. Para ele, os sonhos são mensagens simbólicas do inconsciente, carregando não apenas de experiências pessoais, mas também de elementos arquetípicos presentes no inconsciente coletivo. "Os sonhos são a manifestação mais imediata do que é essencialmente irrepresentável na consciência. São indicações claras de que o inconsciente não é apenas um depósito, mas uma das fontes mais profundas da vida psíquica. [...] Eles trazem mensagens e revelações, nos mostram facetas inexploradas da personalidade, e são uma via de acesso ao inconsciente coletivo."   (Jung, 2021) Carl Jung - Red Book (Liber Novus) Os sonhos, na maioria das ve

Experiências típicas do processo de individuação, por Leonardo Climaco.

A morte das projeções, o fim das ilusões.

O ser humano costuma chegar no ápice de seu desenvolvimento profissional e familiar na meia idade, após muitos anos se sacrificando para atingir algum status social modulando o seu comportamento pelas expectativas culturais e pressões coletivas, finalmente chega o ponto de reavaliar as escolhas e redefinir o rumo que a vida está tomando, e quando isso é feito com sinceridade, a necessidade de mudança fica evidente.

As mudanças chegam a consciência em função da clara percepção da finitude da vida com a proximidade da velhice, da insatisfação pelos papéis assumidos de forma inconsciente, e pelo redescobrimento de tendências inatas que foram reprimidas e que comumente retornam a superfície da consciência nesse momento de transição limiar.

Individuação
Carl Jung - Red Book (Liber Novus)

Nessa dinâmica, somos radicalmente arremessados em direção a rica e inexplorada vida interior do inconsciente, local onde seremos obrigados a descobrir o significado do conflito que nos aflige recebendo o convite para recobrar o propósito da nossa vida e vivê-la mais conscientemente através das perguntas: “Quem sou eu, além da minha história e dos papéis que representei?”

Se tudo der certo, e a partir de um longo e sincero questionamento interior, ganharemos mais valor e dignidade para viver a segunda metade da vida, expressando mais consciência e integração distanciando-se da banalidade do condicionamento social e das projeções pelas quais passivamente correspondemos, mas para isso, precisaremos estar dispostos a “enterrar” a Persona anterior que nos conduziu distraída até esse ponto de dor, dúvida, insatisfação e desespero. 

Nas palavras de Murray Stein:

“O ego precisa se desapegar antes de ficar suspenso no limiar psicológico, etapa preliminar da descoberta mais profunda do Self. Para fazer isto de forma completa e decidida, uma pessoa precisa encontrar o morto e enterrá-lo: ou seja, identificar a fonte de sua dor e mandá-la de volta ao passado, mediante um processo de luto e enterro. A natureza da perda precisa ser entendida e trabalhada antes que alguém possa seguir adiante.” No meio da vida, Pág.41.

Por se tratar de um período psicológico percebido como estranho e perigoso, existe o risco do individuo não embarcar nessa jornada e produzir uma “reconstituição defensiva da persona”, negando o convite à necessária transformação, para estes casos, as tensões vindas do inconsciente através da libido continuarão a enviar “sintomas” até que os padrões antigos de defesa da identidade sejam digeridos e absorvidos, e os apegos à antiga estrutura sejam deixados de lado.

Essa primeira etapa do processo de individuação sugere que nos encontremos com a morte, realizando uma verdadeira e profunda separação da Persona que teve sua utilidade esgotada e extinta, enterrando todas as suas identificações e projeções.

“É possível, portanto, dizer que, ao sofrer as pressões tectônicas da psique, poderemos não descobrir o supremo propósito da vida, mas estamos obrigados a descobrir o significado do conflito, o choque entre os “eus” ocasionados pela passagem do meio. Uma vida nova emerge desse choque predeterminado, dessa “morte renascimento”. Somos convidados a recobrar a própria vida, a vivê-la mais conscientemente, a extrair da desgraça um significado.” James Hollis, A passagem do meio. Pág. 24

Com a morte das projeções e consciente da atual posição insatisfatória, inicia-se a busca por sentido e realização com a fase mais ativa e longa do processo, a expansão da consciência.

Expansão da consciência, a busca do Si-mesmo.

Com a tomada de consciência de uma posição insatisfatória na vida, caracterizada pelo reconhecimento e morte da Persona anterior através do fim das projeções, finalmente chegamos em uma posição limiar. É preciso fazer a travessia para que possamos realmente encontrar esse Ser que deseja ganhar expressão de vida, e para chegar a esse estado mais pleno e consciente de si, será preciso expandir as fronteiras da personalidade para abarcar algumas coisas que ficaram pelo caminho, dentre elas, aspectos da sombra pessoal, estabelecer um contato frutífero com o arquétipo da sua contraparte sexual (Anima ou Animus), a confrontação com os resquícios dos complexos materno ou paterno, e se voltar para as aspirações mais profundas que não ganharam atenção e energia para florescer ao longo da vida. 

Empreender essa jornada de conexão consigo mesmo requer coragem e sobretudo uma grande vontade de expansão da consciência para desbravar esses campos inexplorados, o que não é possível sem uma boa dose de honestidade consigo mesmo, e sobretudo, disposição para sacrificar de forma consciente aquilo que não lhe cabe mais.

Talvez esse seja o momento mais propício para se iniciar um processo analítico profundo, afinal, o empreendimento é difícil e cheio de armadilhas. 

individuação
Carl Jung - Red Book (Liber Novus)

Ainda assim, é preciso ter em mente metas claras e realistas, por mais que possamos estender nosso campo de consciência para os domínios do inconsciente através de um processo analítico, na intenção de ancorar nossa experiência no si-mesmo, a totalidade do inconsciente estende-se para muito além de nossas possibilidades de trabalho. Segundo Jung; 

“[…] o si-mesmo é uma instância que engloba o eu consciente. Abarca não só a psique consciente como a inconsciente, sendo portanto, por assim dizer, uma personalidade que também somos. Podemos facilmente imaginar que possuímos almas parciais. Conseguimos, por exemplo, representar nossa persona, sem grande dificuldade. Mas ultrapassa o poder da nossa imaginação a clara imagem do que somos enquanto si-mesmo, pois nesta operação a parte deveria compreender o todo. É impossível chegar a uma consciência aproximada do si-mesmo, por que por mais que ampliemos nosso campo de consciência, sempre haverá uma quantidade indeterminada e indeterminável de material inconsciente, que pertence à totalidade do si-mesmo. Este é o motivo pelo qual o si-mesmo constituirá uma grandeza que nos ultrapassa” (OC 7/2, §274).

Cientes dos limites da jornada, resta-nos agora definir qual rumo seguir, e para o processo de individuação, inúmeros confrontos serão inevitáveis, com diferentes graus de importância para cada individuo, dos quais destaco estes com principais: fazer contato com a criança perdida, estabelecer um rico dialogo com a sombra, redefinir a função dos relacionamentos íntimos, desenvolver uma sólida aceitação da solidão, retomar a busca pela vocação, a experiência do numinoso, encarar a finitude. 

Cientes de que não esgotaremos o assunto, vamos nos debruças sobre cada um desses pontos.

01 Fazer contato com a criança perdida

Uma das experiências mais corrosivas da meia idade é a falta de alegria e espontaneidade que se estabelece com a rotina, a criança alegre, vivida e espirituosa que um dia fomos raramente é bem-vinda em nosso ambiente de trabalho ou no casamento. Muito do que realmente somos tem seu pleno potencial expresso nos sonhos de nossa criança do passado, que através de brincadeiras e passatempos despretensiosos, ia descobrindo suas aptidões e formas prazerosas de interação com os outros, com o mundo, e consigo mesmo.

Nesse momento limiar da transição, é muito importante tentarmos estabelecer um novo contato com essa criança e perguntar o que ela apreciaria fazer agora, a resposta a essa pergunta pode abrir perspectivas para uma nova vida, mais alinhada à personalidade única de cada individuo. 

Claro que isso não é um convite para uma vida livre de obrigações externas, ao se dedicar aos sonhos da criança interior, podemos continuar cumprindo nossas obrigações diárias enquanto nos conectamos com os sonhos mais profundos. O que buscamos com esse contato é principalmente reencontrar o divertimento de estar vivo, expressando as inclinações naturais que são evidentes em toda criança. E isso pode ser tão simples quanto uma volta às aulas de pintura, aulas de dança, dedicação a algum esporte, visitas mais frequentes a praia, museus, ou retiros no campo. As opções são tão extensas quanto personalizadas e somente a criança perdida de cada um poderá indicar o caminho para a reconexão. O importante é trazer um talento ou experiência do passado e experimentar o poder curativo de expressá-lo no presente de forma atualizada e revigorante.

Tenha em mente que a crise da qual deu-se inicio o processo de individuação serviu para mostrar que a forma como a vida estava sendo levada era insatisfatória, buscar na própria história os momentos de alegria da criança perdida é um bom começo para reencontrar o caminho da fruição. 

Mas claro que isso também não é tão simples quanto parece, ao entrar em contato com a criança perdida muitas memórias dolorosas poderão vir a tona, traumas e complexos precisarão ser confrontados e atualizados a partir da perspectiva do adulto que agora poderá dar uma resposta mais adequada ao evento, e isso torna o contato com a criança perdida duplamente restaurador, tanto para encontrar a fruição perdida, como também para dar uma resposta mais adequada aos traumas do passado. 

02 Estabelecer um rico diálogo com a sombra

A persona é uma adaptação mais ou menos consciente às demandas da vida social, e por ser a máscara de interação entre as pessoas, é facilmente confundida com a verdade interior, especialmente quando há excessiva identificação em função do alto investimento na manutenção da persona que se projetou no mundo. 

Ao chegar na meia idade, grande parte da personalidade foi reprimida para conformar essa persona às expectativas da vida pública, aspectos da vida interior que não ganharam expressão, pois ficaram à sombra, começam a fazer pressão para vir a tona em busca de uma vida mais autentica. 

“O fato de sermos mortais, de o tempo ser limitado, e de que ninguém nos libertará do fardo da responsabilidade pela nossa vida, serve de poderoso incentivo para que sejamos mais completamente nós mesmos.” James Hollis

Esse jogo de tensões entre os conteúdos reprimidos deixados à sombra e os aspectos conscientes da persona regulados pelo ego são confrontados visando a integração dos opostos na realização do si-mesmo, pois este busca uma expressão de vida mais autentica, exigindo que retomemos a nossa jornada com todas as partes que nos compõem, inclusive aquelas que encontram-se reprimidas sob o domínio da sombra pessoal.

Portanto, encarar a sombra e estabelecer um rico diálogo é parte fundamental do processo de individuação, sem o qual não é possível avançar para as etapas seguintes.

Perceba que primeiro fizemos contato com a criança perdida para em seguida estabelecermos um diálogo com a sombra, isso por que muito dos conteúdos reprimidos da sombra pessoal tem sua origem nas experiências da primeira infância, momento em que aprendemos as estratégias de regulação para conseguir a homeostase afetiva definindo padrões de comportamento, esse é o protótipo sobre o qual toda a persona será construída, relegando boa parte de natureza individual aos recantos da sombra.

03 Redefinir a função dos relacionamento íntimos

Se até a meia idade ainda estamos alienados das nossas próprias sombras, imagine o quanto não estamos alienados da vida interior dos nossos parceiros nos relacionamentos íntimos. E por isso esse é o nosso terceiro tópico, pois ninguém será capaz de redefinir seus relacionamentos íntimos sem primeiro ter alguma ideia das influências dos complexos originados na primeira infância e dos conteúdos da própria sombra.

Sabemos que tudo aquilo que está inconsciente será projetado sobre outra pessoa, e é por isso que é quase um milagre que ainda existam relacionamentos íntimos na meia idade, a pergunta que fica é se eles realmente estão fundamentados sob bases sólidas, ou por medo e insegurança os envolvidos estão sacrificando a própria alma.

A tarefa mais desafiadora na redefinição da função dos relacionamentos íntimos será ratificar sua independência emocional, tirando da alçada da relação a sobrecarga de exigências e expectativas da criança interior, libertando o parceiro da obrigatoriedade de encarnar o significado da vida, trazendo para si a função de ativar o próprio potencial.

A possibilidade que se abre então é a construção de um relacionamento maduro, fundamentado no desejo genuíno de compartilhar a jornada com outra pessoa, em uma aproximação dialética de ajuda mútua na expansão das possibilidades da psique, a partir da ponte da conversação, da sexualidade e compaixão, alterando posições e interessando-se genuinamente pelo universo do outro. Isso naturalmente exigirá uma força dupla: a capacidade de assumir a responsabilidade pelo próprio desenvolvimento psicológico, e também validar a realidade e desenvolvimento do outro. 

James Hollis em seu livro “A passagem do meio” resume essa abordagem em três passos:

    1. Os parceiros precisam assumir a responsabilidade pelo próprio bem-estar psicológico. 

    2. Eles precisam assumir o compromisso de compartilhar o mundo da experiência pessoal sem condenar o outro por mágoas passadas ou expectativas futuras.

    3. Eles precisam assumir o compromisso de sustentar esse diálogo no decorrer do tempo.

Adotando essa postura, o relacionamento íntimo deixa de ser um campo de projeções, frustrações e carências, e transforma-se numa poderosa ferramenta a favor da individuação. 

04 Desenvolver uma sólida aceitação da solidão

Com a redefinição da posição dos relacionamentos íntimos, um novo relacionamento emerge como protagonista no processo da individuação, que é o relacionamento com o si-mesmo, que para dar início ao processo de cura da alma, exigirá uma boa dose de solitude e presença. 

O medo da solidão é o grande obstáculo para a efetivação dessa etapa da individuação, especialmente em nossa cultura de auto alienação, que preenche cada lacuna do nosso dia com informações que nos mantém distantes do tão necessário diálogo interno. A nossa tarefa é transpor esses obstáculos e descobrir que o silêncio também nos comunica algo muito importante. Em nenhum outro lugar encontraremos informações tão preciosas a respeito do nosso mito pessoal. 

“Apenas o homem que é capaz de aceder conscientemente ao poder da voz interior torna-se uma personalidade” Rainer Maria Rilke

Individuação
Carl Jung - Red Book (Liber Novus)

Uma vez que o medo da solidão tenha sido superado, seremos capazes de integrar tudo o que foi aprendido até aqui incitados pela voz interior, e com isso talvez venhamos a nos tornar estranhos para aqueles que julgavam nos conhecer, mas ao menos não seremos mais estranhos para nós mesmos, e no fim, reconheceremos que a responsabilidade básica deles é igual à nossa, sua própria jornada.

A partir desse novo ponto de vista, não importará mais o que acontece lá fora, o novo relacionamento descoberto com a vida interior mais do que equilibra quaisquer perdas exteriores. 

“Quanto mais eu souber de mim mesmo, maior parte do meu potencial poderei personificar, mais diversificados serão os tons e os matizes da minha personalidade e mais rica será a minha experiência de vida” James Hollis

05 Retomar a busca pela vocação

Profundos questionamentos também surgirão na esfera profissional, que assim como nos relacionamentos íntimos, é alvo de maciço investimento da nossa energia vital, além de estar profundamente associado a manutenção da persona. 

Ao longo dessa revisão dos papéis proporcionado pela individuação, talvez cheguemos a conclusão de que escolhemos determinada profissão a partir das possibilidades do retorno financeiro, desconsiderando as nossas inclinações naturais ou desejos mais sinceros, o que nos distancia da vocação. 

Neste ponto é bom destacarmos a diferença entre trabalho e vocação. Segundo James Hollis, “O trabalho é aquilo a que nos dedicamos para ganhar dinheiro e satisfazer nossas necessidades econômicas. A vocação (do latim vocatus) é o que somos chamados a fazer com a energia de nossa vida. Sentir que somos produtivos é uma parte fundamental da nossa individuação, e deixar de responder à nossa vocação pode causar dano à alma.”

É impossível nos tornarmos mais plenamente nós mesmos negligenciando essa parte tão importante da nossa constituição, será preciso sacrificar o ego em sua necessidade de conforto e segurança para conseguir meios criativos de incorporar a vocação na agenda diária. E para isso duas perguntas serão de extrema importância, a primeira é; “o que estou sendo chamado a fazer?” e a segunda; “como vou inserir isso na minha vida?” Se contentar com respostas erradas a essas perguntas é aprender a conviver com as dores da alma, distanciando-se cada vez mais do chamado para a individuação.

06 A consciência da finitude

Não é possível falar de expansão da consciência sem incluir reflexões acerca da finitude da vida, e essas reflexões inevitavelmente emergem na consciência no período limiar do processo de individuação, e de certa forma, a tomada de consciência da finitude da vida é uma grande força que impulsiona a emergência do processo.

A preparação para a morte na psicologia analítica não se trata apenas de um momento específico próximo ao fim da vida, mas sim de um processo contínuo de reflexão e integração especialmente útil na segunda metade da vida, permitindo uma maior consciência e aceitação do ciclo natural da existência, redefinindo prioridades movendo o foco da consciência para o que realmente importa.

É natural que nos sintamos angustiados com a diminuição da energia e com a ruína de tudo aquilo que nos esforçamos para assegurar, em contra partida, no processo de individuação, teremos a oportunidade de ampliarmos nossa consciência sobre a morte a partir das seguintes reflexões:

    • Aceitação da impermanência: Desenvolver uma compreensão mais profunda da impermanência de todas as coisas na vida e encontrar serenidade na aceitação desse fluxo constante de mudança.

    • Exploração do inconsciente: Investir tempo e esforço na exploração dos conteúdos inconscientes, por meio de práticas como, análise de sonhos, imaginação ativa e autoconhecimento para confrontar questões relacionadas à morte, medos, angústias e expectativas.

    • Significado e propósito: Refletir sobre o significado da vida pessoal, explorando questões de propósito, valores, realizações e contribuições para algo maior do que o próprio eu.

    • Crenças e espiritualidade: Para muitas pessoas, a preparação para a morte envolve explorar crenças espirituais ou religiosas que ofereçam conforto, sentido e compreensão sobre o que pode acontecer após a morte.

    • Vivendo o momento presente: A ênfase é colocada na importância de viver plenamente o presente. Isso significa estar consciente do momento atual, valorizando as experiências e relacionamentos aqui e agora, em vez de ficar preso em preocupações constantes com o futuro ou com o que está por vir.

    • Trabalho de legado: Jung enfatizava a ideia de que deixar um legado significativo não se tratava apenas de realizações externas, mas também de uma contribuição interna. Isso pode ser feito ao passar adiante sabedoria, valores, amor e aprendizados pessoais para as gerações futuras.

    • Avaliação e reconciliação: A preparação para a morte pode envolver um processo de avaliação e reconciliação consigo mesmo e com os outros. Isso pode incluir a resolução de conflitos, o perdão, a expressão de gratidão e o cultivo de relacionamentos harmoniosos.

A preparação para a morte na psicologia analítica é um processo multifacetado, que envolve tanto a aceitação da finitude quanto a busca por significado e integração ao longo da vida. É um caminho que pode trazer maior tranquilidade, aceitação e compreensão do ciclo da existência humana.

07 A experiência do numinoso

A experiência do numinoso na psicologia analítica refere-se a um encontro com algo que transcende a compreensão humana comum, algo que evoca um sentido de mistério, poder e significado profundo.

O termo “numinoso” deriva de “númen”, uma palavra latina que significa “divindade” ou “espírito”. Na perspectiva de Jung, o numinoso é uma experiência de encontro com o sagrado, algo além da esfera da razão e da compreensão lógica. Pode se manifestar de várias maneiras, como em sonhos intensos, visões, experiências místicas ou até mesmo na presença de certos lugares ou objetos, e é especialmente bem-vinda no processo de individuação.

Essa experiência pode ser profundamente transformadora para a pessoa que a vivência, trazendo um senso de conexão com algo maior do que o eu individual, levando a uma sensação de reverência, admiração e respeito diante do mistério da vida e do universo.

Individuação
Carl Jung - Red Book (Liber Novus)

Jung acreditava que o numinoso podia ser encontrado em várias expressões religiosas, mitológicas e culturais, mas também poderia se manifestar de forma única e pessoal para cada indivíduo, às vezes como um chamado para uma jornada interior de crescimento e desenvolvimento pessoal.

A experiência do numinoso desempenha um papel crucial no processo de individuação, a favorecendo das seguintes formas:

    • Expansão da consciência: A experiência do numinoso muitas vezes transcende as fronteiras da consciência habitual, introduzindo elementos do inconsciente na consciência. Isso permite a integração de aspectos anteriormente desconhecidos ou ignorados da psique.

    • Conexão com o significado pessoal: Essas experiências podem fornecer um sentido mais profundo de significado e propósito na vida, ajudando a pessoa a compreender seu lugar no mundo e seu papel na busca de um propósito pessoal.

    • Desenvolvimento espiritual: A vivência do numinoso frequentemente está ligada a uma dimensão espiritual. Ela pode ajudar na exploração e no fortalecimento da conexão com algo maior do que o eu individual, independentemente de ser uma experiência religiosa convencional ou uma conexão mais pessoal e individualizada.

    • Transformação pessoal: A experiência do numinoso pode ser transformadora, desencadeando um processo de crescimento interior, autoconhecimento e mudança pessoal. Pode inspirar uma revisão das crenças, valores e atitudes, impulsionando a pessoa em direção a um estado mais integrado e autêntico.

    • Apoio ao enfrentamento de desafios: O encontro com o numinoso muitas vezes traz consigo um senso de apoio e significado em momentos difíceis. Pode oferecer insights, força interior e uma sensação de confiança para lidar com desafios emocionais, mentais ou espirituais.

Portanto, a experiência do numinoso cria um vínculo potencialmente convincente com o infinito, e pode ser um poderoso catalisador no processo da individuação, ajudando as pessoas a se tornarem mais conscientes, integradas e autênticas em sua jornada de crescimento pessoal e psicológico.

Conclusão

Inúmeros são os caminhos que conduzem ao paraíso, mas nenhum deles está livre de sofrimentos. A promessa da individuação talvez não seja tão eloquente quanto às prometidas pelas tradições religiosas, mas é com certeza a que mais está ao nosso alcance.

Atender ao chamado da individuação pode levar a uma vida mais significativa, consciente e autêntica, trazendo inúmeros benefícios para a existência humana, desde a saúde mental até o desenvolvimento espiritual, mas sobretudo, para a realização do si-mesmo.

Um individuo singularizado pelo processo de individuação torna-se mais pleno para ocupar o seu devido lugar no mundo, sendo portando, um benefício para si e para todos a sua volta.

Referencias:

Stein, Murray, Jung e o Caminho da Individuação: Uma Introdução Concisa, 1ª edição, São Paulo, Cultrix, 2022. clique aqui

Hollis, James, A Passagem do Meio: da Miséria do Significado da Meia-idade, 1ª edição, São Paulo, Paulos editora, 1995. clique aqui

Em dúvida sobre alguns termos? Consulte nosso pequeno Glossário de Psicologia Analítica.

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